segunda-feira, 25 de maio de 2009

É a voragem da vida que nos faz abreviar o bom que ela pode comportar


Tenho de começar por felicitar os organizadores do projecto “Torga em SMS” pelo facto de se terem debruçado sobre temas quanto a mim de importância crucial nos dias que correm e, como tal, terem espicaçado e provocado o debate.
Linguagem SMS...Torga em SMS...o futuro da linguagem...o que dizer?
Desde logo se me levanta uma questão. Um paradoxo, talvez. O que é que a superficialidade da escrita SMS tem a ver com a profundidade da escrita de Torga? Do Torga ligado à terra, à natureza, à alma da linguagem e dos afectos. O que senti, lendo partes do Diário XII escritas pelo autor e depois convertidas para SMS? Confesso que foi muito estranho para mim. Por vezes intragável.

Sem dúvida que as novas tecnologias ligadas às áreas da comunicação vieram alterar a forma como nos entrosamos, como nos vemos (ou deixamos de ver?) uns aos outros, modificando igualmente os hábitos e as formas de linguagem. No fundo, trata-se de um acompanhar dos novos tempos. A vida corre, foge, o quotidiano sorve-nos. Constantemente se ouve dizer “não tenho tempo, não tenho tempo! Qualquer dia (o dia que depois não chega) vou fazer-te uma visita”. Entretanto vão-se trocando umas SMS...”ta td bem? Co tas? Eu tou d+! Tens 9dades?”
É a voragem da vida que nos faz abreviar o bom que ela pode comportar. Não há tempo. Não há disposição. Adia-se. Adia-se sempre. Às vezes para sempre.

No entanto, e se quisermos ser simplistas, até se pode dizer que os telemóveis e a net fizeram explodir o fenómeno da escrita. Democratizaram-na. Toda a gente envia mails, todos escrevem SMS (Portugal não é um dos países com mais telemóveis por agregado familiar?). Pois é! Mas acontece que se escreve cada vez pior. Em especial a escrita literária está a deteriorar-se e cada vez mais se perde a arte de escrever. O que de mais interessante tem a escrita, que é o jogo de palavras, a possibilidade de pôr as palavras a fazer amor, a sentir, a suscitar a emoção e a inteligência, está em franco retrocesso.

Por outro lado, não deixa de ser igualmente inquietante o recuo da oralidade, de que falava há pouco. As pessoas mal se vêem, muito menos se observam ou escutam. Por onde andam os nossos sentidos? Os nossos cinco sentidos que são tão importantes em qualquer acto de comunicação? Nós comunicamos não apenas quando escrevemos, mas quando olhamos, quando tocamos, quando o nosso corpo faz determinado trejeito. Mas isso exige presença num mesmo espaço...num mesmo tempo.

É claro que não sou de modo algum contra o avanço da tecnologia. Digo mesmo que utilizo muitas vezes a net e a linguagem SMS...ainda que sem os requintes de quem a sabe escrever bem. Há benefícios evidentes. Cada vez mais as pessoas podem estar virtualmente em todos os recantos do mundo. As SMS são por vezes importantíssimas, em especial em situações de emergência e, porque não, para nos divertirmos um pouco?

Toda a tecnologia ligada à comunicação é fundamental. Só que tem de ser bem usada. E usada para os fins convenientes. Não concordo, por exemplo, que seja preciso traduzir Torga em SMS para que os jovens ou os adultos cheguem até ele, até à sua leitura. Tenho detectado que cada vez mais se está a entrar numa espécie de era da palhaçada, em que as crianças e jovens são treinados a não pensar ou a chegar a certas conclusões pela via do mais fácil. Porquê? Porquê, já que não é assim que se constrói a inteligência, pois esta necessita de desafios e não de banalidades?

Não podemos correr o risco de nos transformarmos em autómatos. Não deveremos comportar-nos como autistas relativamente a outros tipos de saberes e de cultura, pois são eles que nos estruturam enquanto seres humanos que nunca deveremos abdicar de ser. Ser é fundamental. Sentir também o é. Partilhar emoções e sentimentos num mesmo espaço parece-me ser uma experiência por vezes única.
Continuo a preferir dizer, cara a cara, olhos nos olhos, “amo-te”. É certamente bem diferente de “amo t e tu?” “Eu tb”...
Quanto ao futuro da linguagem, confio na inteligência humana. Espero que se caminhe para o bom senso e que os vários tipos de linguagem possam coexistir pacificamente, sem ocuparem espaços que lhes sejam alheios. Porque se o futuro for outro, confesso que viver neste planeta seria para mim um suplício Tentaria procurar (esperando encontrar) um ET a quem, pelo menos, pudesse tocar no dedo...e que a sensibilidade se tornasse luz!


Maria Pinto, Mestre
Docente do Ensino Superior, ISMT

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